08 agosto 2008

ESTE É O MEU PAÍS?

O preço do Euro

No último comunicado natalício do primeiro-ministro, José Sócrates pedia aos portugueses mais alguma paciência com vista à retoma económica do país e que a época de “apertar o cinto” seria breve. Ora, volvidos 6 meses, a dita reconquista económica para os bolsos dos portugueses é de facto uma realidade, a reconquista dos bolsos vazios e da precariedade socio-económica, em que os salários permanecem imutáveis e tudo o resto sofre alterações… de encarecimento.

Passados 6 anos de entrada em vigor da meda única europeia, o euro, o aumento do custo de vida é uma inequívoca certeza. Um estudo estatístico divulgado pelo grupo britânico Open Europe, revela que seis em cada dez portugueses preferiam voltar a ter o escudo como moeda nacional ao invés do euro. A que se devem estes valores e quais são as razões para uma taxa de insatisfação tão elevada por parte dos consumidores portugueses?

Através da matemática, como ciência exacta que é (menos para as contas e orçamentos governamentais), analizamos as alterações sofridas na economia portuguesa com a entrada em vigor da moeda única.

O estado actual da economia portuguesa mais parece a história do Robin dos Bosques, diferenciando apenas a moral da história, que é a antítese da conhecida fábula, ao invés de se tirar aos ricos para oferecer aos pobres, é o “peixe miúdo” que está a pagar a factura da opulenta minoria. Sendo que a retoma económica nacional é uma prioridade para o governo Sócrates, todos os trilhos necessários traçar para alcançar esse objectivo estão em marcha na máquina socialista.

A entrada em vigor do euro revelou-se uma preciosa aliada para o governo, talvez porque a inflação (muitas vezes superior a 100%) não seja tão perceptível ao olhar mais ingénuo do português. Sabe-se, ou a maioria da população sente-o na pele, que o euro, relativamente ao escudo, dura menos nas carteiras. Terá sido a moeda única responsável pela volatilidade monetária actual? O que é certo é que o que outrora fazíamos com 5.000$00 (uma “agradável” quantia), dificilmente o fazemos agora com 25€ (simples “trocos”).

Uma ida ao café da esquina para a famosa “bica”, um ritual ancestral na cultura portuguesa, que antes custava a módica quantia de 50 a 60 escudos (e a haver aumentos seriam de 5 ou 10 escudos), actualmente custa 55 a 70 cêntimos (e por vezes mais), o que equivale a um aumento superior a 100%. Terá sido o aumento do preço da importação de grão de café que fez disparar os preços em flecha? Aparentemente, não. Terá sido, sim, a conversão directa numérica do escudo para euro, em que, erradamente, 50 escudos é o mesmo que 50 cêntimos. Ou seja, quando antes a factura mensal de um café por dia implicava a perda de cerca de 2.000$00 no orçamento mensal, os números em euros sofrem uma inflação de 100%, com o custo a atingir, no mínimo, os 20€ por mês para a famosa bica. E a mesma contabilidade se aplica às “diárias económicas” que a maioria dos portugueses consome no restaurante ao lado do local de trabalho. Quando, em 1999, 500$00 chegavam para saldar a refeição económica, actualmente a factura é de, no mínimo, 5€. Ou seja, mais uma vez, uma inflação de 100% no custo de vida da população. Esta situação seria concebível se, como os preços, os salários da população portuguesa acompanhassem o mesmo ritmo de inflação. No entanto, a realidade é deveras diferente, em que a premissa causa/efeito não se aplica, apenas uma facção sofre alterações, a do aumento dos preços, e a outra permanece inalterável, os salários. Mas, nem só nos bens alimentares esta subida de preços tem repercussões (poderiam ser gastas várias páginas a enumerar os muitos bens de primeira necessidade que sofreram um exorbitante aumento financeiro, desde o pão - esperam-se subidas até 20% em 2007 - até à água).

Noutro panorama distinto, mas pertinente para as causas do aumento do custo de vida, é a facilidade com que actualmente se obtém um empréstimo. Ailusão do crédito fácil já atingiu a maioria das famílias portuguesas. São comuns os processos judiciais em que famílias são exoneradas dos seus bens por incumprimento das prestações bancárias. Com um simples telefonema, para uma das diversas opções de crédito existentes no mercado, são creditadas quantias monetárias, acrescidas dos juros correspondentes que, passados alguns meses, a família média portuguesa não consegue reembolsar. Estima-se que actualmente as dividas das famílias superem em 120% o seu salário médio mensal. A ilusão de dinheiro fácil e a vontade de viver acima das possibilidades acarreta consequências desastrosas. Começa-se com o empréstimo da casa, seguido do empréstimo do carro, ao qual se junta ainda o crédito para as férias inesquecíveis num país paradisíaco, finalizando pelo crédito para bens de consumo, e assim se cria uma teia que dificilmente terá saída. Manuel Moita Júnior, advogado do departamento jurídico de uma instituição de crédito, e habituado às lides das cobranças, esclarece a situação em que se encontram muitas famílias portuguesas: “verifica-se neste momento em Portugal um ciclo vicioso de grande perigo, na medida em que muitas pessoas recorrem ao crédito de forma a resolver outras situações que por vezes já se encontram em contencioso, ou seja, foram accionadas judicialmente pelas entidades mutuantes (concedentes do crédito). Ora, o que muitas vezes é representado pelos mutuários como sendo a solução dos seus problemas financeiros, acaba por revelar-se um “presente envenenado”, dado que as suas obrigações financeiras crescem ao invés de tornarem-se mais adaptadas ao rendimento médio do agregado familiar. Como se não bastasse, sinto que se tem vindo a perder um pouco a noção de responsabilidade pois não raramente o banco é confrontado com puro lascismo e falta de interesse por parte de clientes incumpridores, chegando mesmo a haver casos de reacções agressivas e desproporcionadas por parte de quem, um dia, nos pediu ajuda.” Assistimos assim à despreocupação social relativamente ao crédito e um pensamento minimalista das consequências inerentes ao incumprimento financeiro. É bastante comum famílias ficarem apenas com a cama e o fogão que têm em sua casa por falta de pagamento de crédito e, frequentemente, empréstimos que foram realizados para férias. Vive-se assim um clima de notória dificuldade financeira mas também de alguma irresponsabilidade das famílias portuguesas. No entanto, outros factores são alheios à responsabilidade directa dos contribuintes. As taxas de juro do crédito á habitação são um bom exemplo disso. Em finais de 2005, a taxa de juro implícita do crédito à habitação fixava-se nos 3,6%. Em Março de 2007, o mesmo crédito rondava os 4.8%, um aumento de 28% nas taxas de crédito e consequente aumento de 12,5% na prestação mensal para as bolsas portuguesas. Não é de estranhar a insatisfação geral que se instalou em Portugal.

Dissecando as profundas alterações que o custo de vida sofreu nestes últimos anos, chegamos à metodologia governamental para diminuir a divida publica nacional. Em cerca de 2 anos de mandato, o actual governo introduziu no código penal mais de 10 leis de penalização financeira aos contribuintes ou aumentou significativamente determinados serviços públicos (num tão curto espaço de tempo seria impossível fazer mais). Senão vejamos, os 19% de IVA anteriormente em vigor, já de si superior a países como a Espanha (16%), Reino unido (17.5%) ou o Luxemburgo (15%), não mencionando a diferença abismal do salário mínimo nacional, acarretou a subida de preços em praticamente todos os produtos que os portugueses consomem diariamente. O esquecimento de aumento salarial coadjuvado com o aumento dos impostos (uma promessa eleitoral não cumprida), contribuiu para o aumento das dificuldades a que hoje se assiste no país das quinas.

A liberalização dos preços das gasolineiras, que mais parece um mercado bolsista, espelha-se numa oscilação de preços constantemente em alta. As reformas na saúde, assim como na educação, tiveram repercussões directas na economia nacional, com aumentos de 5,5% nas despesas da educação e 6% na saúde, com a introdução das taxas moderadoras, secundadas pela redução das comparticipações dos medicamentos (1 a 5%). Assim, se recordarmos o ano de 2006, no qual a taxa de inflação se cifrou bem acima dos 3%, tendo o governo anunciado a errada taxa de 2,1%, espera-se que o presente ano mantenha os mesmos reflexos negativos de 2006. A introdução do euro obrigou os países a aplicarem diversos critérios económicos e a por em prática orçamentos deveras rigorosos que o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) regulamentou. Países como Portugal não estavam ainda preparados para seguir estas normas, o que criou o quadro dantesco que actualmente se vive em Portugal. Esta conjuntura contribuiu ainda mais para a precariedade financeira do povo português, reflectindose na constante diminuição do poder de compra e consequente diminuição da qualidade de vida.

Leandro Santos